Carta de Roma - 16/10/2012
Caríssimos irmãos e amigos
1.De partida para o Sínodo dos Bispos, partilhei convosco algumas ideias que trazia, em especial respeitantes ao presente e ao futuro das nossas comunidades cristãs. O que tenho ouvido a muitos membros do Sínodo, provenientes de diversas partes do mundo, tem-me reforçado a convicção de que esse mesmo tema os preocupa e positivamente os move.
Por um lado, pronunciam-se sobre a necessidade premente de iniciações cristãs propriamente ditas; por outro, requerem para tal a existência de envolvimentos comunitários – famílias, grupos, paróquias – que as proporcionem de facto. Todos reconhecem que ambientes excessivamente secularizados e muito dispersivos, como os atuais, requerem reforçadas integrações comunitárias, alimentadas pela Palavra de Deus, a oração e a prática sacramental, irradiando em iniciativas de caridade concreta.
Tem sido muito estimulante ouvir testemunhos nesse sentido, provindos de meios tão distantes como o Sudoeste Asiático, várias partes da África ou a América Latina, para não falar da nossa “velha” Europa, onde tal vai acontecendo também, com promissoras ligações entre paróquias, movimentos e grupos. Não se trata só de almejar o futuro, mas de o ver a despontar aqui e além.
Tudo isto me faz sonhar com uma Diocese do Porto cada vez mais densa na sua malha comunitária e intercomunitária, com uma corresponsabilidade crescente de padres, diáconos, consagrados e leigos, com especial referência às famílias e aos catequistas, além de todos os outros dedicados agentes dos vários âmbitos pastorais. A Nova Evangelização tem como sujeito coletivo a Igreja diocesana, mesa de encontro e partilha de tudo quanto o Espírito nos dá “para a vida do mundo”.
2. Vou seguindo atentamente o que a Portugal diz respeito, neste momento difícil que a todos nos toca, solidariamente. Não nos podem ser alheias as dificuldades dos outros, em especial dos que não têm trabalho, nem perspetivas de o obter proximamente; dos que não conseguem manter as suas empresas, por falta de financiamento, aumento de prestações ou baixa de clientes; dos que já não sabem bem porque é que hão de estudar, ou pagar os estudos dos filhos; dos que temem não ter na velhice a segurança com que justamente contavam…
Tenho também presentes os que nos vários setores da vida social, económica e política realmente se esforçam por responder à situação presente, abrindo-nos um futuro indispensável e justo. Assim como compreendo que muitos expressem publicamente o mal-estar que sentem e sofrem, por si e pelos seus. Mas também não esqueço que uma sociedade democrática vive necessariamente de orgãos que representam e ativam as finalidades comuns, como a nossa Constituição estabelece. Só assim sobrevive um Estado de Direito e as nossas presentes instituições democráticas são um bem precioso que muito custou a alcançar e deve ser preservado e honrado por nós todos, governantes escolhidos e cidadãos responsáveis.
O mesmo se diga das instituições internacionais a que aderimos; com especial referência à União Europeia, em cujo quadro os nossos atuais problemas se hão de resolver também, como os de outros países em maior ou menor dificuldade. Quero mesmo crer que a atual “crise” ocasionará um crescimento comunitário mais coerente no que à economia, às finanças e à solidariedade europeias diz respeito. Alguns sinais recentes vão nesse sentido e alimentam a esperança. Na interdependência geral em que vivemos, o que se requer em Lisboa, pode requerer-se também – e não sei se sobretudo – em Bruxelas, Berlim, Paris… Aliás, o projeto europeu dos anos quarenta e cinquenta ficou com várias alíneas por cumprir, que talvez possam retomar-se agora.
3. Neste contexto, chegam-me algumas perguntas sobre a posição “da Igreja” no atual momento português. Adianto apenas o seguinte: a) Nós, católicos portugueses, estamos onde os nossos concidadãos também se encontram, na vida pessoal e social, em cidadania plena e corresponsabilidade comum. Com uma inspiração evangélica que precisa de ser cada vez mais assimilada e concretizada, queremos estar onde devemos estar, ou seja, na primeira linha da promoção do bem comum. b) A essencial inspiração evangélica é compatível com a pluralidade de opções e meios para atingir esses fins. Desde João XXIII e o Concílio Vaticano II, esta pluralidade de opções políticas tem sido mais defendida, não sendo difícil reconhecer católicos com vários posicionamentos na vida portuguesa. Necessário é, que o façam sempre com grande coerência evangélica. c) No que às suas instituições diz respeito – paróquias, dioceses, institutos religiosos e seculares, associações de fiéis sociocaritativas ou outras – a resposta da Igreja Católica tem sido assinalada e só não o é mais porque a autenticidade cristã não procura publicidade. e) Quanto ao Episcopado – e aos ministros ordenados (padres e diáconos) no que lhes toca -, a sua responsabilidade específica consiste em manter viva a Tradição eclesial no campo da doutrina e da prática, com referência constante à Doutrina Social da Igreja. Ao nível nacional – melhor diríamos interdiocesano -, a Conferência Episcopal Portuguesa tem-no feito em sucessivos pronunciamentos, aplicando à atualidade nacional os princípios permanentes da mesma Doutrina: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade. Quem quiser conhecer as posições oficiais do Episcopado, deve ler tais pronunciamentos, imediatamente disponíveis no site da Conferência Episcopal Portuguesa ou da Agência Ecclesia.
É no conjunto dos seus membros e na complementaridade dos respetivos papéis que a Igreja em Portugal vive a realidade portuguesa, a reflete e nela atua. A herança do Concílio Vaticano II, cujo cinquentenário de abertura o Sínodo assinalou com o Santo Padre a 11 deste mês, também vai nessa linha, corresponsabilizando clérigos, consagrados e leigos com papéis específicos e convergentes. E assim há de continuar a ser, em solidariedade comprovada com a nação que integramos.
4. Mais notícias do Sínodo vos darei no Porto, para um Ano da Fé plenamente vivido e necessariamente concretizado em obras de justiça e paz. Com saudações cordiais e amigas,
+ Manuel Clemente, Bispo do Porto
Roma, 16 de outubro de 2012, 34º aniversário da eleição pontifícia do Beato João Paulo II
1.De partida para o Sínodo dos Bispos, partilhei convosco algumas ideias que trazia, em especial respeitantes ao presente e ao futuro das nossas comunidades cristãs. O que tenho ouvido a muitos membros do Sínodo, provenientes de diversas partes do mundo, tem-me reforçado a convicção de que esse mesmo tema os preocupa e positivamente os move.
Por um lado, pronunciam-se sobre a necessidade premente de iniciações cristãs propriamente ditas; por outro, requerem para tal a existência de envolvimentos comunitários – famílias, grupos, paróquias – que as proporcionem de facto. Todos reconhecem que ambientes excessivamente secularizados e muito dispersivos, como os atuais, requerem reforçadas integrações comunitárias, alimentadas pela Palavra de Deus, a oração e a prática sacramental, irradiando em iniciativas de caridade concreta.
Tem sido muito estimulante ouvir testemunhos nesse sentido, provindos de meios tão distantes como o Sudoeste Asiático, várias partes da África ou a América Latina, para não falar da nossa “velha” Europa, onde tal vai acontecendo também, com promissoras ligações entre paróquias, movimentos e grupos. Não se trata só de almejar o futuro, mas de o ver a despontar aqui e além.
Tudo isto me faz sonhar com uma Diocese do Porto cada vez mais densa na sua malha comunitária e intercomunitária, com uma corresponsabilidade crescente de padres, diáconos, consagrados e leigos, com especial referência às famílias e aos catequistas, além de todos os outros dedicados agentes dos vários âmbitos pastorais. A Nova Evangelização tem como sujeito coletivo a Igreja diocesana, mesa de encontro e partilha de tudo quanto o Espírito nos dá “para a vida do mundo”.
2. Vou seguindo atentamente o que a Portugal diz respeito, neste momento difícil que a todos nos toca, solidariamente. Não nos podem ser alheias as dificuldades dos outros, em especial dos que não têm trabalho, nem perspetivas de o obter proximamente; dos que não conseguem manter as suas empresas, por falta de financiamento, aumento de prestações ou baixa de clientes; dos que já não sabem bem porque é que hão de estudar, ou pagar os estudos dos filhos; dos que temem não ter na velhice a segurança com que justamente contavam…
Tenho também presentes os que nos vários setores da vida social, económica e política realmente se esforçam por responder à situação presente, abrindo-nos um futuro indispensável e justo. Assim como compreendo que muitos expressem publicamente o mal-estar que sentem e sofrem, por si e pelos seus. Mas também não esqueço que uma sociedade democrática vive necessariamente de orgãos que representam e ativam as finalidades comuns, como a nossa Constituição estabelece. Só assim sobrevive um Estado de Direito e as nossas presentes instituições democráticas são um bem precioso que muito custou a alcançar e deve ser preservado e honrado por nós todos, governantes escolhidos e cidadãos responsáveis.
O mesmo se diga das instituições internacionais a que aderimos; com especial referência à União Europeia, em cujo quadro os nossos atuais problemas se hão de resolver também, como os de outros países em maior ou menor dificuldade. Quero mesmo crer que a atual “crise” ocasionará um crescimento comunitário mais coerente no que à economia, às finanças e à solidariedade europeias diz respeito. Alguns sinais recentes vão nesse sentido e alimentam a esperança. Na interdependência geral em que vivemos, o que se requer em Lisboa, pode requerer-se também – e não sei se sobretudo – em Bruxelas, Berlim, Paris… Aliás, o projeto europeu dos anos quarenta e cinquenta ficou com várias alíneas por cumprir, que talvez possam retomar-se agora.
3. Neste contexto, chegam-me algumas perguntas sobre a posição “da Igreja” no atual momento português. Adianto apenas o seguinte: a) Nós, católicos portugueses, estamos onde os nossos concidadãos também se encontram, na vida pessoal e social, em cidadania plena e corresponsabilidade comum. Com uma inspiração evangélica que precisa de ser cada vez mais assimilada e concretizada, queremos estar onde devemos estar, ou seja, na primeira linha da promoção do bem comum. b) A essencial inspiração evangélica é compatível com a pluralidade de opções e meios para atingir esses fins. Desde João XXIII e o Concílio Vaticano II, esta pluralidade de opções políticas tem sido mais defendida, não sendo difícil reconhecer católicos com vários posicionamentos na vida portuguesa. Necessário é, que o façam sempre com grande coerência evangélica. c) No que às suas instituições diz respeito – paróquias, dioceses, institutos religiosos e seculares, associações de fiéis sociocaritativas ou outras – a resposta da Igreja Católica tem sido assinalada e só não o é mais porque a autenticidade cristã não procura publicidade. e) Quanto ao Episcopado – e aos ministros ordenados (padres e diáconos) no que lhes toca -, a sua responsabilidade específica consiste em manter viva a Tradição eclesial no campo da doutrina e da prática, com referência constante à Doutrina Social da Igreja. Ao nível nacional – melhor diríamos interdiocesano -, a Conferência Episcopal Portuguesa tem-no feito em sucessivos pronunciamentos, aplicando à atualidade nacional os princípios permanentes da mesma Doutrina: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade. Quem quiser conhecer as posições oficiais do Episcopado, deve ler tais pronunciamentos, imediatamente disponíveis no site da Conferência Episcopal Portuguesa ou da Agência Ecclesia.
É no conjunto dos seus membros e na complementaridade dos respetivos papéis que a Igreja em Portugal vive a realidade portuguesa, a reflete e nela atua. A herança do Concílio Vaticano II, cujo cinquentenário de abertura o Sínodo assinalou com o Santo Padre a 11 deste mês, também vai nessa linha, corresponsabilizando clérigos, consagrados e leigos com papéis específicos e convergentes. E assim há de continuar a ser, em solidariedade comprovada com a nação que integramos.
4. Mais notícias do Sínodo vos darei no Porto, para um Ano da Fé plenamente vivido e necessariamente concretizado em obras de justiça e paz. Com saudações cordiais e amigas,
+ Manuel Clemente, Bispo do Porto
Roma, 16 de outubro de 2012, 34º aniversário da eleição pontifícia do Beato João Paulo II